Lembranças da Minha Infância
Nasci em Coromandel cidade mineira situada no Triângulo Mineiro famosa pelo garimpo de diamantes. Lá foi extraído, em 1938, de forma artesanal, o maior diamante encontrado no Brasil denominado Presidente Vargas, com 760 quilates. Há alguns anos, foi introduzida a mecanização nos garimpos, mas a forma artesanal não foi abandonada. Também existe a cidade de Coromandel situada no norte da Nova Zelândia. Esta fica num lugar paradisíaco e belíssimo na encosta do oceano pacifico. Duas cidades com o mesmo nome e tão distante uma da outra.
Lindolfo, meu avô materno, com quem convivi pouco tempo, também nasceu em Coromandel, onde viveu até seu falecimento ocorrido em 1960, quanto eu tinha 11 anos. Lembro-me dele pitando seu pito de palha sentado em um tamborete no terreiro da cozinha. Guardadas na algibeira do paletó estavam as palhas secas de milho já cortadas do tamanho do pito. Pegava uma, a alisava bem com a língua e a colocava atrás da orelha. Tirava o canivete da cintura para cortar lascas de um rolo de fumo muito cheiroso que ficava na despensa junto com os cachos de banana verdes. Com os dedos triturava as lascas até ficarem moídas e colocava na palha todo o fumo moído com os dedos. Enrolava a palha, fazia o pito, o amarrava com uma fita fina de palha e o colocava na boca à espera de fogo. Apanhava a binga retirada do outro bolso. Começava a acionar o gatilho da binga para ter o fogo. Continuava pacientemente com este intento até que o fogo conseguisse acender o pito. Este preparatório levava entre 10 e 15 minutos. Estava pronto seu pito. Saboreava a fumaça cheirosa do pito até a sua metade. O resto do pito ele guardava atrás da orelha, para mais tarde soltar mais umas vaporadas de fumaça de um cheiro gostoso de fumo caseiro. Ele tinha no fundo do terreiro da cozinha uma plantação de pés de fumo. De lá mesmo ele retirava o produto de seu vicio. Tudo era artesanal, desde a plantação do milho para tirar a casca quanto o próprio fumo. Além de ser caseiro era também um vicio orgânico. Ainda jovem, ele contraiu a doença de chagas a qual abreviou sua longevidade. Ele teve 4 filhos o Benedito, Santiago, Saul, Sebastião e quatro filhas a Lucia, Salvina, Relva e Maria Abadia minha mãe. Minha avó materna, Maria Antônia de Jesus, morreu aos 37 anos quando minha mãe tinha 14 anos. Ela foi mãe dos 4 primeiros filhos. Meu avô ficou viúvo aos 38 anos aproximadamente. O Saul e Sebastião, mais novos, são filhos de outra mulher. Há informações de que meu avô deve ter nascido por volta de 1897. Ele sobrevivia do garimpo artesanal. Eu o acompanhei algumas vezes ao garimpo, no Rio Dourados, e até tentei batear água do rio para encontrar diamantes. Ele costumava encontrar alguns xibiuzinhos, pequenos diamantes, e os vendia ou na pior situação trocava por outras mercadorias. Quando cansava do garimpo ou não tinha sorte de catar diamantes, ele ia colher feijão nas roças de agricultores.
Antônio Aguiar meu pai biológico, nasceu em Estrela do Sul em 30.11.1894 e faleceu em Coromandel 24 de outubro de 1951, com 57 anos de idade, antes de eu completar 3 anos, quando minha mãe tinha 27 anos. Eu não o conheci. Quando eu nasci ele tinha 54 anos. A diferença de idade entre meu pai biológico, Antônio Aguiar, e minha mãe, é de 30 anos. Quando eles se conheceram, em 1943 ele tinha 48 anos e ela 18 anos. Meu pai já era casado, e amasiou-se com minha mãe sem, contudo, se separar formalmente de sua esposa. Com apenas 18 anos minha mãe gerou a minha irmã Ângela em Junho de 1943, e que nasceu quando minha mãe tinha 19 anos. Cinco anos depois foi a minha vez. Quando nasci minha de mãe tinha 24 anos. Meus pais ficaram envolvidos de 1943 a 1951, resultando em 8 anos de convivência. Antônio Aguiar era uma pessoa culta, de inteligência privilegiada, funcionário da Secretaria de Educação do Estado, responsável pela inspetoria das escolas. Gostava de francês idioma que aprendeu de forma autodidata.
Maria Abadia, minha mãe, nasceu em Coromandel em 14 de Agosto de 1924. Aí morou, desde o nascimento, até Setembro de 1954. Na passagem de meu pai biológico, ela tinha 27 anos. Esteve solteira durante 3 anos aproximados. Ela teve mais um relacionamento de onde surgiu mais uma filha. Com 3 filhos na bagagem, muita despesa e trabalho para sustentá-los, ela procurava uma saída para esta situação. De forma inteligente, ela conseguiu um pretendente para ajudá-la a carregar o pesado fardo. Assim 3 anos após a morte do meu pai Antônio Aguiar, ela se casou no civil com Ulisses meu futuro pai adotivo. Ela tinha 30 anos e ele 31. Logo depois do casamento ela deixou Coromandel para nunca mais voltar e nos levou para morar em Carmo do Cajuru cidade próxima a Belo Horizonte, onde seu novo marido residia. Em Fevereiro de 1975 ela teve uma surpresa desagradável ao descobrir que estava com câncer no útero. Depois de um prolongado tratamento no Hospital de Base de Brasília ela se curou.
Ulisses, meu pai adotivo, nasceu em 14 de abril de 1923 em Pitangui MG. Sua mãe era Eugénia Eulália
Nunes e seu pai Adolfo Nunes de Carvalho Tão logo completou 18 anos conseguiu emprego nos Serviços Nacionais de Malária, Peste e Febre Amarela do Ministério da Saúde os quais foram absorvidos em 6 de março de 1956 pelo então criado Departamento Nacional de Endemias Rurais (DNERu) do Ministério da Saúde. Ao Departamento Nacional de Endemias Rurais competia organizar e executar os serviços de investigação e promover o combate à malária, leishmaniose, doença de Chagas, peste, brucelose, febre amarela, esquistossomose, ancilostomose, filariose, hidatidose, bócio endêmico, bouba, tracoma e outras endemias existentes no país nos idos de 1950. Em 1970 foi criada a Superintendência de Campanhas de Saúde Pública (SUCAM), resultado da fusão do DNRu e das Campanhas de Erradicação da Varíola e da Malária. O Ulisses morreu com 52 anos em Setembro de 1975 dois anos antes de aposentar. Era muito inteligente e escrevia muito bem. Eles ficaram casados 21 anos, de Agosto/54 até Setembro/75. Ele viveu 21 anos em Patos, de 1957 até 1978.
Nasci em 21 de Novembro de 1948. Na foto ao lado tenho 5 anos. Algumas lembranças dos meus primeiros cinco anos de vida ainda residem em minha memória. Depois de ficar órfão de pai voltamos a morar na casa de meu avô. Minha tia morava conosco e ajudava a cuidar de nós crianças. Meu avo era bravo e sempre estava a ralhar comigo. Lembro-me também que minha tia fazia e vendia biscoitos de polvilho tipo peta, conhecidos como chimangos, e me mandava entregá-los na vizinhança. Em Setembro de 1954, nos mudamos para Carmo do Cajuru – MG antes de eu completar os 5 anos de idade.
Morando Em Carmo Do Cajurú
Depois de completar 7 anos, no inicio de 1956 fui matriculado no Grupo Escolar Princesa Isabel. Cursei o 1º ano primário em 1956.
Morávamos vizinho à família de meu pai adotivo em uma casa colonial, com um quintal enorme repleto de árvores frutíferas, jardins e de flores. Meu pai criava galinha, peru, galinha de angola e porcos no quintal. O chiqueiro se distanciava da casa o bastante para não inundá-la com o mau cheiro. Os porcos eram alimentados com soro de leite. Eu e a minha irmã buscávamos o soro na fabrica de manteiga situada distante de nossa casa, ao lado da estação de trem de ferro. O trazíamos em latas usadas de manteiga. Eu carregava a lata na cabeça revezando com minha irmã até chegar a nossa casa.
Nosso vizinho irmão de meu pai Álvaro, abrigava dois outros seus irmãos, o Altamiro e o Alvarindo e o seu pai Adolfo, meu avô paterno adotivo. Ele era velho, tinha uma admirável barba e bigode brancos, espremia uma colher de sopa cheia de pimenta malagueta no fundo do prato e depois servia a comida. Ele estava sempre em nossa casa porque gostava da comida de sua nora. Ele pitava cigarro de palha e tinha umas 3 bingas para acender os cigarros. Seu bigode e barba eram amareladas por causa da fumaça dos pitos. Ele sempre tomava um gole de pinga antes das refeições. Minha mãe cozinhava muito bem e eu adorava as suas sopas de macarrão furado com feijão.
Meu pai bebia desde o primeiro ano de casamento. Antes mesmo de se casar ele já tinha o vicio. Ele bebeu durante toda a vida. A razão deste vício era oriunda da casa de seus pais, suspeito eu. Seu pai e tios fabricavam vinho caseiro e ele ajudava no fabrico. Dentro deste ambiente ele iniciou o vício. Foi muito triste e desesperador conviver com isto. Desde os meus 5 anos eu já estava sofrendo com este infortúnio.
Não sei por que razão, mas minha mãe com muita freqüência estava a me castigar e me açoitava sem piedade. Por qualquer motivo ela ameaçava me colocar em um orfanato por ser eu órfão de pai. Trancava-me em um quarto escuro. Uma vez ela tentava me levar á força para este quarto. Eu não queria, me debatia, chorava, gritava, mas em vão. Agarrei-me ao pé de uma cama, para me segurar. Ela foi me arrastando com cama e tudo até o quarto, conseguindo enfim, me trancar lá dentro no escuro. Passei medo nestas ocasiões. A partir daí comecei a ter pesadelos noturnos e sofrer muito com isto.
Eu gostava muito daquela casa, porque havia muito espaço para brincar. Eu ia e voltava para a escola acompanhado de minha irmã. Quando eu fiz a minha primeira comunhão, me compraram um terno de linho branco muito bonito. Lembro-me da Igreja até hoje. Era e é hoje a catedral da cidade. O irmão de meu pai Álvaro casado com a Odete tinha filhos da mesma idade de mim e de minha irmã. Brincávamos juntos e eram amigos meus. Embora não tivesse nenhum parentesco consangüíneo com eles, gostava deles como se fossem meus primos naturais. Fizeram parte da minha infância. Os demais parentes de meu pai viviam em Divinópolis.
Morávamos em Carmo do Cajuru, nas férias, meu pai nos levava de trem de ferro, para passear em Coromandel. A foto ao lado é da Estação de Carmo do Cajuru na época em que eu morava na cidade. Ao fundo está a igreja matriz onde fiz a 1ª. Comunhão. A locomotiva era uma Maria Fumaça da ferrovia Rede Mineira de Viação no ramal Divinópolis - Uberaba. O trem passava por Lagoa da Prata, Pará de Minas, Ibiá, Bambuí, Monte Carmelo onde desembarcávamos. Daí embarcávamos numa jardineira que nos levava até Coromandel. Essas viagens duravam cerca de 2 dias. A gente dormia no trem. Minha mãe não gostava e não suportava viajar de jardineira. Sempre vomitava até as tripas. De vez em quando meu pai alugava um taxi para ir de Monte Carmelo até Coromandel.
Outra foto da estação da época. O investimento no transporte ferroviário no Brasil deixou de existir se compararmos com os países desenvolvidos. As ferrovias do Brasil foram abandonadas e estão sucateadas. O governo federal, alegando falta de recursos, iniciou em 1996 a privatização das ferrovias brasileiras, leiloando as malhas Nordeste, Centro-Leste, Sudeste, Paulista, Oeste e Sul, que pertenciam a Rede Ferroviária Federal S/A. Criada em 1957, a estatal administrou por quatro décadas o transporte ferroviário de passageiros e cargas no Brasil. A Rede Mineira de Viação do Estado de Minas foi encampada pela RFFSA em 1957. Hoje, a RFFSA caminha agonizante para sua extinção. Neste aspecto o Brasil dos anos 50 estava mais desenvolvido que o Brasil de hoje. Apontado como um dos meios de transporte mais baratos do mundo, o sistema ferroviário sofre pela falta de investimentos e aguarda um redimensionamento que o coloque à altura da dimensão geográfica do país. Em 1960, as ferrovias brasileiras atingiram seu pico máximo. A partir desse ano, segue rampa abaixo até a decadência total nos anos de hoje. Por sua vez, as locomotivas a vapor perdiam de vez seu espaço nas ferrovias brasileiras a partir de meados da década de 60. Locomotivas diesel-elétricas e as elétricas substituíram definitivamente as locomotivas a vapor marias-fumaça.. A RMV era deficitária e muito lenta. O povo reclamava, mas gostava e viajava e a denominava Ruim Mais Vai.
Morando Em Divinópolis
Mudamos para Divinópolis no inicio de 1957. Com 8 anos, cursei o 2º ano primário no Grupo Escolar Miguel Couto situado na Av. Getulio Vargas. Ainda guardo na memória uma briga que tive com um menino malvado que se tornou meu desafeto. Este menino era muito metido e valente. Um dia resolvi encará-lo, e como resultado, ele me deu um soco e perdi um dos meus dentes de leite frontais. Chorei, e quando cheguei em casa, levei outra surra de minha mãe porque apanhei ao invés de ter batido, e quase ela me arranca mais um dente. Ela foi á escola e deu entrada em uma queixa contra o menino. Ele não me perturbou mais.
Meu pai viajava muito, e nos deixava só. Minha mãe colocava os seus 3 filhos dormindo todos juntos com ela na cama de casal. Ela tinha medo de ficar só. Começamos nossa vida nesta cidade morando perto do Rio Itapecerica, atrás da Catedral que estava em construção na época. Depois mudamos para uma casa perto de uma fábrica de máquinas de costura e perto também dos parentes de meu pai. A gente sempre morou perto dos parentes de meu pai porque minha mãe morria de medo de ficar sozinha.
Em frente a nossa casa, havia um deposito de sobras de uma pequena fundição. Eu e minha irmã catávamos sobras e borras de ferro no lixo da fábrica e vendíamos no ferro velho. Ganhávamos uns trocados para comprar balas e ir ao cinema. Desde este tempo eu já tinha me acostumado a ir ao cinema. Minha irmã mais velha tinha 13 anos, já era sabichona e avançadinha. Levava-me ao cinema, para servir de vela. Creio que algumas vezes seus namorados pagavam meu ingresso e enchiam minha mão de bala para comprar meu silencio sobre o que se passava dentro do cinema. Outras vezes, ela me colocava na fila de entrada e quando chegava nossa vez ela me dava um empurrão nas costas para eu passar sem pagar o ingresso. Eu adorava ir ao cinema e assistir os filmes eram legendados porque não existia dublado. Já estava me acostumando a aprender inglês e a ler as legendas dos filmes. O filme que mais gostei dos que assisti em 1956, foi SHANE, intitulado Os Brutos também Amam, um faroeste com Alan Ladd.
O Trabalho de meu pai
Ao criar o Departamento Nacional de Endemias Rurais (DNERu) em 1956, o governo lançou também o Programa de Erradicação da Bouba. Além disso, a bouba foi a primeira doença que recebeu um programa de erradicação em escala global, com assistência técnica da Organização Mundial da Saúde. A campanha de erradicação da Bouba, foi estruturada em torno da aplicação de uma dose única de penicilina injetável, o Benzetacil 2400 000 U, denominada ‘bala mágica’. Os efeitos da ‘bala mágica’ produziram grande diminuição dos casos da enfermidade no Brasil, onde foi finalmente declarada erradicada em meados dos anos 60.
Sendo funcionário do DNERu, meu pai pertencia á equipe de combate a bouba. Ele me contava que aplicava injeção de penicilina Benzetacil 2400.000 UI nas nádegas dos doentes e estes alem de acamados pela doença não podiam caminhar por causa da dor da injeção. A bouba é uma doença de pele, que pode ser altamente debilitante para tecidos e ossos se não for tratada. A lesão aparece como um tumor similar à uma "framboesa", com muito prurido ou como grupo de pápulas no local da infecção. O ato de coçar dissemina a infecção e começam a aparecer mais tumores por todo o corpo. Aproximadamente de 3 à 4 semanas depois de contrair a infecção pela espiroqueta, o vitimado apresenta uma lesão ("bouba mãe") por onde o organismo penetrou na pele.
Dentre as atribuições do serviço de meu pai estava também o combate á doença de Chagas. Ela é causada pelo Trypanosoma cruzi, um tropozoário, e é transmitida de um hospedeiro a outro por insetos, no caso humano, é transmitido pelo barbeiro. O tripanossoma é transmitido no ato de alimentação do inseto. Assim que o barbeiro termina de se alimentar ele defeca, eliminando protozoários e colocando-os em contato com a ferida e a pele da vítima. A doença de Chagas também pode ser transmitida por transfusão sangüínea ou durante a gravidez, de mãe para filho. Lembro-me de observar os exames microscópicos feitos pelo meu pai usando laminas com as fezes dos barbeiros. Ele me levava para o laboratório e me deixava olhar no microscópio as fezes do barbeiro. Os barbeiros eram colhidos nas casas e os levavam para o laboratório para investigar se eles estavam contaminados.
O coração é o órgão mais lesado. O coração aos poucos vai se dilatando e crescendo, atingindo dimensões enormes. É comum nessa fase avançada, as pernas ficarem inchadas, sensação de fraqueza, palpitações e falta de ar. Não são raras, infelizmente, as morte súbitas e inesperadas entre indivíduos jovens, aparentemente sadios. Mas a maior parte dos pacientes não chega a desenvolver formas graves da doença no coração e poderão ter uma vida praticamente normal. Hoje existem pelo menos 12 milhões de pessoas infectadas pelo Trypanosoma cruzi, das quais 5 a 6 milhões em nosso país.
Para combater os barbeiros que transmitiam a doença de Chagas e todas as demais endemias da época meu pai viajava para a área rural e aplicava veneno DDT e BHC nas casas. Lembro-me que às vezes ele estocava os vasilhames com este veneno em nossa casa. Eu passava mal quando dormia. Não conseguia respirar direito por causa do odor horrível exalado do veneno. Meus olhos ficavam vermelhos e o nariz ardendo por mais de dois dias. Com o tempo ele se intoxicou com estes venenos e mais tarde, em 1970, teve tuberculose. Foi obrigado a ficar internado, quase um ano, fazendo tratamento em uma clínica especializada de Belo Horizonte.
Lembro-me das canetas usadas pelo meu pai. A caneta Parker 51 usava tinta de tinteiro. Aprendi a escrever com estas canetas e eu mesmo cheguei a possuir algumas delas. Hoje estas canetas, da marca Mont Blanc e outras mais, são usadas também como símbolo de status. Os portadores da mesma usam-na no bolso do paletó ou camisa.
Morando em Patos de Minas
Em 1957, aos 9 anos, mudamos para Patos de Minas. A foto é a da cidade nos anos 60. Fomos morar na Rua Olegário Maciel nos fundos da Coletoria Estadual. Ao lado de nossa casa havia a loja "A Casa Do Fazendeiro". Mais tarde ela foi demolida e iniciada a construção do Cine Riviera. Fui matriculado na Escola Estadual Normal onde cursei o 3º. e o 4º. ano primário. Era a melhor escola elementar da época nessa cidade. Criávamos no 4º. ano, bichos da seda, até saírem do casulo e se transformarem em borboleta. Havia uma amoreira, onde eles se alimentavam das suas folhas. Eu levava manga do nosso quintal para lanche na escola. Às vezes eu enjoava de comer manga e a trocava por pão ou algum biscoito com algum colega. Eu gostava de algumas meninas da minha sala, uma delas era filha do gerente do Banco Hipotecário, e duas outras eram irmãs, que moravam em frente a minha casa. Eu brincava muito no pátio da escola, jogava bola de gude e brincava de finca. Estudei na Escola Normal até passar no exame de admissão, em 1959, para ingressar na 1ª série ginasial do Ginásio Municipal, inaugurado em Fevereiro desse ano. Fui aluno da primeira turma deste estabelecimento de ensino. Os meus professores foram: Português Antônio Dias dos Reis, Francês Saulo Borges de Andrade, latim professora Celina, Canto Orfeônico Padre Antônio, Desenho professor Teofredo Borges, Educação Física professor Jefferson Eli dos Santos, trabalhos manuais professora Eucia, inglês professora Sydneia, matemática professor José Secundino. Havia ainda a disciplina Francês. Em 1964 o colégio foi estadualizado e passou a ser Colégio Estadual de Patos de Minas. Hoje é Colégio Zama Maciel. Estudei lá até a quarta série do Ginásio. No final da 4ª série, em março de 1963, comecei a trabalhar o dia inteiro, no Banco Mercantil de Minas Gerais. Por este motivo, fui estudar a noite no Colégio Professor Sílvio de Marco, onde permaneci até concluir o segundo grau, no final de 1967. Mesmo tendo trabalhado desde os meus 8 anos de idade, cursei o último ano do segundo grau com 17 anos e tão logo completei 18 anos conclui o curso.
Nossas vidas não eram fáceis e para piorar a situação havia mais um percalço adicional à vida de um menino. Meu padrasto ainda continuava com o vício, bebia muito. Minha mãe e ele se atracavam, berravam e gritavam, assustando os vizinhos. Éramos as ovelhas negras da rua. Creio que todos os nossos vizinhos nos queriam longe de lá. Foram cerca de 4 anos morando neste local. Desde 1957 até 1960. Em 1958, com 34 anos de idade, minha mãe teve minha irmã caçula. A foto ao lado mostra a família no dia 17 de maio de 1959, quando a irmã caçula completava 1 ano.
Três irmãos, primos de minha mãe moravam em Patos. Um deles se passava por curador de pessoas portadoras de tênia solis. Ele extraia estas lombrigas das barrigas das pessoas. As lombrigas se alimentam do alimento do paciente. Se este ficasse faminto as lombrigas também iriam ficar famintas. O primo deixava o paciente sem comer por dois ou três dias. Faminto e fraco o coitado era colocado sentado em um pinico cheio de leite. Com o passar do tempo, a lombriga saia pelo ânus da vitima para comer o leite do pinico, quando era então, agarrada com uma pinça, pelo espertalhão.
Somente aos 12 anos eu consegui possuir uma bicicleta, adquirida por eu e meu pai. Ele usou o nome e cadastro dele para adquirir a bicicleta a prazo e eu paguei a entrada e as prestações. Compramos uma bicicleta feminina Monark para também servir para minhas irmãs. Não gostei muito da idéia mas fui obrigado a engoli-la.
A minha família era a mais pobre do trecho da Rua Olegário Maciel, onde moravam ricos e abastados. A nossa casa era de fundos e o no endereço das cartas teria que escrever Fundos. Nesta época eu tinha amigos da vizinhança. Um desses amigos morava em frente a minha casa, era filho de dentista. Gostava de ir brincar na casa dele porque ás vezes ele me oferecia um copo de leite, o que eu aceitava de bom grado. O leite na minha casa era regrado, um litro para toda a família por um dia e noite inteiros. Eu comprava o leite,na casa de um Queiroz fazendeiro, distante de nossa casa. Eu freqüentava a casa de outros amigos vizinhos e ficava deslumbrado com a quantidade de eletrodomésticos que eles possuíam: televisão preta e branca, geladeira, fogão a gás. O fogão de nossa casa era a lenha, não tínhamos televisão e nem geladeira. Minha mãe usava banha de porco para cozinhar e para armazenar carnes por diversos dias, meses até. Para ouvir a Voz do Brasil meu pai tinha um rádio AM da RCA Victor.
Em Patos,nos idos de 1958 existia uma empresa de transportes de passageiros por avião a Real - Redes Estaduais Aéreas Ltda. Se situava na Olegario Maciel quase esquina com Major Gote debaixo do antigo Clube social. Era um luxo para a cidade ter esta agencia. Entre as rotas principais estavam Belo Horizonte – Uberaba – São Paulo. Patos estava no meio da rota. A frota da REAL chegou a invejáveis 117 aviões. Tais números a colocaram em 7° lugar no ranking da IATA em relação ao tamanho da frota, a mais alta posição já ocupada por uma empresa aérea brasileira. Mas foi a compra dos 87% da Aerovias que levou a REAL a alçar vôos para os EUA. Em 1960 a Real expandiu suas rotas, chegando à Tokyo. Porém nesse mesmo ano, a Real foi vendida para a Varig. Eu fazia uns bicos trabalhando de boy para as moças que trabalhavam lá. Nossa casa era vizinha e nas horas de folga eu ficava rondando a agência.
Trabalho infantil
Entre 9 e 18 anos, mesmo estudando eu sempre trabalhei. Onde morávamos, havia um quintal imenso com muita manga, fruta, e uma linda horta. De manhã bem cedo, regava os canteiros e depois seguia para escola. Ao cair da tarde novamente aguava a horta. Quando necessário, ia colher esterco de gado e de cavalo nos prados das redondezas do Córrego Monjolo para adubar os canteiros. No transcurso das tardes, eu saia para vender verduras e mangas, de porta em porta, nas ruas de Patos. O dinheiro era entregue à minha mãe e servia para comprar meus objetos escolares, roupas sapatos, etc.
Para alimentar o fogo do fogão a lenha, meu pai comprava lenha, que era descarregada na frente de nossa casa, no passeio da rua. Era minha atribuição guardar esta lenha no porão da casa.
Quando minha mãe cansava de cozinhar, ela exigia que meu pai comprasse comida pronta em marmitas. Ela era sim muito folgada. Quem levava as marmitas vazias e as trazia cheia era eu. Atravessava a cidade para buscar o produto mais barato e do gosto de minha mãe. O primo de minha mãe, resolveu contratar meus serviços e eu passei a buscar marmita para ele também. Ele morava distante de nossa casa. Uma vizinha nossa, Euci, também resolveu contratar meus serviços. Eu recebia uns trocados por este serviço. Passei então a carregar três marmitas, com apenas duas mãos. Comecei a faturar uma graninha extra àquelas das verduras, que servia para propiciar algumas horas de lazer como cinema e tomar sorvetes. Estas despesas não dei para meus pais desde os 8 anos de idade.
Eu tinha uma vida de menino muito árdua. Trabalhava como um adulto. Nunca sobrava tempo para brincar. Quando queria brincar tinha que fugir para a praça dos Boiadeiros, perto de nossa casa. Na praça, havia um parque com quadra de vôlei e brinquedos. De vez em quando eu escapulia das garras de minha progenitora e ia brincar nessa praça. Tão logo sentia a minha falta ela ia até lá me buscar e aplicar na minha orelha um puxão doloroso. Apesar de enfrentar estas adversidades eu me considerava feliz.
Na foto estou com 11 anos. Nesta idade já trabalhava na construção do Cine Riviera no lote ao lado de minha casa. As tarefas eram:
- Ajudava a fazer as massas e concreto. Eu carregava a massa e concreto em latas de 20 litros, preenchidas só pela metade devido ao peso.Minhas mãos ficavam rachadas devido ao contato com o cimento. Às vezes as rachaduras transformavam-se em feridas.
- Com a talhadeira retirava dos pisos os restos de massa caídos durante o reboco. Fazia o rejunte dos ladrilhos e pisos dos banheiros.
- Mexia o concreto com uma barra de ferro para ele se espalhar nas formas das vigas.
- Ajudava os armadores dobrando e cortando ferros. Como era menino, franzino e magro, eu dependurava no braço da maquina de cortar ferro e ficava balançando ate o ferro se cortar.
- arrancava os pregos das tábuas usadas para seu reaproveitamento.
Aprendi um pouco sobre tudo dentro de uma obra. Era um curinguinha para todas as tarefas
O mestre de obras era um cara muito valente, ignorante, brutamontes, e metido a machão. Impunha respeito através do medo, ameaçando todos, usando na cintura, revolver e faca. Desde então existia a figura do boleiro na obra. Era uma moça que ia à hora do café vender lanche para os peões. Eu adorava comer os pudins desta mulher. Recebíamos nosso pagamento, semanalmente, na sexta feira. Uma vez mais, eu o entregava para minha mãe comprar meus objetos escolares, uniformes, sapatos etc.
O pedreiro, João Alicate, com quem eu trabalhava se considerava cara mais valente da cidade. Já tinha despachado para o inferno inúmeras vitimas, e seu peito era todo cheio de cicatrizes, o qual ele mostrava, orgulhoso, como afirmação de que era protegido pelo demônio e ninguém o conseguia matar. Ele já tinha diversas passagens pela prisão e havia escapado das grades diversas vezes. Seu pai também era conhecido como um dos mais perigosos criminosos do bairro Vila Garcia. Um menino irmão do pedreiro João Alicate também trabalhava nesta obra e era meu colega de trabalho. Um dia nós dois nos desentendemos resultando em uma briga entre nós, tendo ele avançado sobre mim com uma machadinha em punho. Depois deste incidente meus pais resolveram me tirar deste emprego.
Aos 12 anos fui trabalhar no bar Saci, no centro de Patos. Nele eu fazia pastéis, café, limpeza e atendia no balcão. Além de estudar de manhã, eu trabalhava a partir das 14 horas até fechar o bar, lá pela meia noite. Eu levava alguma coisa para casa e dava para minhas irmãs comer. Apesar de ser esfomeado eu era magro, muito esperto, comia muito, mas gastava muita energia. No bar onde trabalhava, não conseguia fechar a boca, e comia mais do que vendia. Eram pasteis bolos, doces, etc. O refrigerante que mais gostava era o Grapette visto na imagem ao lado. O dono do bar resolveu me mandar embora porque comia mais do que ganhava.
Aos 13 anos, consegui emprego noutro bar, o Recreativo, em baixo do clube de mesmo nome ainda existente hoje. Lá também eu começava a trabalhar lá pelas 2 da tarde e ficava até fechar o bar e restaurante, por volta de meia noite. Eu jantava neste restaurante todos os dias. O prato que eu mais apreciava era filé a cavalo, um grande bife de filé com 2 ovos fritos em cima. Era servido pelo garçom. Das 2 até meia noite eu me alimentava no trabalho. Eu fazia muita coisa neste emprego. Atendia na lanchonete servindo cafés, fazendo e servindo vitaminas sendo uma delas a mais pedida, a vitamina de goiabada com leite. Ficava muito gostosa esta mistura. Colocava os palitinhos nos picolés quando estes começavam a se congelar. Fazia sorvete também. Engordei-me muito trabalhando neste bar porque comia muito bem. Trabalhei muito tempo neste bar. Um acontecimento nunca me saiu da cabeça. O dono do bar era casado com uma bonitona. Um dia, ela resolveu ter um caso com um motorista de caminhão. Ele descobriu, conseguiu um flagrante em sua própria casa, e foi uma confusão danada, resultando na separação dos dois. Não sei por que, mas saí deste bar.
Emprego no Banco
Meu pai ficou sabendo da oferta de uma vaga de Contínuo no Banco Mercantil de Minas Gerais. Prontamente ele me levou lá para me candidatar a esta vaga. Fiz uma entrevista e um teste de datilografia. Isto ocorreu em março de 1963. O gerente do Banco e o subgerente, dois cearenses irmãos, me escolheram entre outros entrevistados. Aos 12 anos eu já havia feito o curso de datilografia usando uma máquina de datilografia Remington Rand muito antiga igual a da foto ao lado. Esta habilidade contribuiu para conseguir o emprego.
No Banco as atribuições do cargo de Contínuo eram diversificadas:
- Entrega dos avisos de cobrança e créditos para os clientes do Banco. No mezanino do Banco eu classificava a correspondência por ordem de endereço e a guardava em uma pasta. Saia de bicicleta pela cidade e entregava as cartas a seus destinatários. Conhecia muito bem os endereços da cidade. Por serem avisos de cobrança e necessitar o recibo deles, eu tinha que entregar pessoalmente, e colher a confirmação da entrega através de assinatura.
- Arquivamento da movimentação bancária. Todos os documentos do dia eram arquivados e grampeados em pastas de papel, denominadas Movimento Do Dia. Estas pastas eram separadas por tipo de documento tais como cheques, guias de depósito, boletos de cobranças liquidados, etc.
- Armazenamento dos registros das transações bancárias. Naquela época não existia computador. As transações bancárias eram registradam em uma folha de papel gigante, do tamanho de uma folha A2 com 420mm de largura e 594mm. A cópia deste registro era armazenada em uma folha transparente, fina, no livro de registro chamado Diário com papel carbono azul. O livro também era enorme e pesado, do tamanho da folha e com cerca de 100 páginas de papel fino tipo cópia. Eu colocava a cópia carbono dentro do livro, em cima de uma página em branco. Colocava um pano branco fino umedecido em cima desta folha. Punha um protetor de papelão debaixo da folha fina do livro para evitar que a cópia não manchasse as demais páginas. Fechava o livro e depois o depositava dentro de uma prensa enorme com duas lâminas de ferro maiores que o livro. Apertava estas lâminas até arrocharem o livro, para que fizesse muita pressão e assim copiasse a folha de carbono na folha de papel do livro. Eu era pequeno e tinha que fazer uma força danada para conseguir apertar bem até o máximo que eu pudesse. Deixava apertado por uns 30 minutos, e depois desfazia tudo, e o arquivo do registro diário bancário tinha sido realizado com sucesso. Este era uma parte do Banco de Dados do computador da época. A memória dele eram as 100 folhas do livro. Cada folha tinha o tamanho de cerca de 6 folhas de papel A4. Cada folha de papel A4 tem a capacidade de registrar em média 20 kbytes de caracteres. Assim cada página do livro tinha uma memória de 120 kbytes e o livro inteiro tinha uma memória de 12000 kbytes. Brincadeira se compararmos isto com o sistema on line de armazenamento da movimentação bancária hoje existente, onde todas as transações são feitas instantaneamente. Os arquivos são gravados em discos rígidos de petabytes, ou seja um milhão de gigabytes.
- Preparar o dinheiro velho estragado para devolução ao Banco do Brasil. Ainda não havia Banco Central. Os caixas me entregavam as notas velhas e eu tinha que colá-las em uma folha de papel branco transparente, tipo folha de seda. Numa folha cabia cerca de umas 50 notas. Depois de coladas esperava secarem. Depois de secas, eu cortava as notas com a tesoura e fazia montes delas amarradas com elástico. O Banco devolvia estas notas para o Banco do Brasil. De vez em quando, o valor que os caixas me entregavam em nota, diferia do valor que eu devolvia para eles.
- Depositar o dinheiro das reservas do Banco Mercantil no Banco do Brasil. Fazia a vez do transportador do dinheiro englobando as atividades de transportar e ficar esperando o caixa do banco contar todas as cédulas e pegar o recibo do deposito. Eu fazia isto a pé carregando uma pasta de couro cheia de pacotes de notas de 1000 cruzeiros do Pedro Cabral.
- Office boy. Comprar lanches, remédios, e outras coisas mais para as funcionárias. Uma delas era uma loura de pernas grossas. Ela trabalhava comigo no Banco e nos dávamos muito bem. Ela tinha umas pernas lindas, e usava umas saias curtas e quando subia a escada desviava a atenção dos clientes e funcionários do Banco, inclusive eu. Quando ia tomar café no mezanino, ela cruzava as pernas e eu sempre arranjava alguma atividade nos armários que ficavam em frente à cadeira onde ela sentava para ficar olhando suas pernas. Ela sabia que isto ocorria e continuava a fazê-lo por provocação. Mas ela não fazia isto para mim e sim para os funcionários. Eu pegava carona com eles.
- Faxineiro. Limpar e varrer todas as dependências incluindo os banheiros. Ajuntava e guardava o lixo em sacos apropriados. Os levava para queimar em um terreno baldio que se situava onde é hoje o INPS na Rua Tiradentes. Fazia isto antes das 7 horas da manhã para evitar que as meninas dos colégios me vissem carregando sacos de lixo no guidão da bicicleta de mulher. Tinha vergonha das pessoas me verem fazer este serviço. Estes papéis eram queimados porque tinham informações confidenciais do Banco e de seus clientes. Este era o processo de incineração de documentos secretos do Banco.
- Copeiro. Fazer o café das 15 horas que era servido para todos os funcionários no mezanino do Banco, onde era meu escritório. Comprava, na padaria ao lado, os pães quentinhos que eram servidos com manteiga de leite. Depois dos funcionários terminarem o lanche, eu comia uns 3 a quatro pães com manteiga e deixava tudo arrumado e limpo.
Ao completar 18 anos fui promovido a Escriturário. Passei a trabalhar como funcionário adulto tendo tido o salário aumentado substancialmente. O Banco contratou outro contínuo para me substituir. Como escriturário trabalhei na carteira de desconto, na carteira de cobrança, no setor de contas correntes como mecanógrafo, cargo que exigia um exímio datilógrafo e operador de calculadora. Toda a movimentação bancária era registrada pelo mecanógrafo. Em todas as contas correntes eram registrados manualmente, os depósitos, saques, cheques Esta atividade era realizada durante o expediente bancário. Na ficha conta corrente eram lançados os movimentos de cheques, depósitos, cobranças, débitos, créditos, e os cálculos eram feitos com uma calculadora, resultando no saldo momentâneo de cada conta corrente. A máquina de mecanografia consistia em uma máquina de datilografia e uma máquina de calcular acopladas. Assim eram calculadas as entradas e saídas e datilografados também os saldos em cada ficha de cada cliente. Uma funcionária conferia o trabalho do mecanógrafo.
Os costumes, carros e roupas da época
Nos idos de 1966 formamos um grupo de estudantes, denominado CEDAE. Eram realizadas reuniões e encontros nas casas dos pais de cada integrante, onde se debatia, discutia e trocava idéias sobre a vida dos jovens seguindo os preceitos do catolicismo. Sempre tínhamos encontros sociais nas casas dos participantes do grupo ou em chácaras e sítios nos arredores da cidade.
Eu gostava de ler revistas. Na época a revista O Cruzeiro era a que mais vendia e a mais lida. Nela havia uma charge com o Amigo da Onça. Estava sempre a ver toda charge da semana. Ao lado se encontra uma delas. Satírico, irônico e crítico de costumes, o Amigo da Onça aparece em diversas ocasiões desmascarando seus interlocutores ou colocando-os nas mais embaraçosas situações. Amigo da onça também é uma expressão popular, originada deste personagem. O Amigo da Onça foi criado por Péricles de Andrade Maranhão (14 de agosto de 1924 - 31 de Dezembro de 1961) e publicado semanalmente na revista O Cruzeiro.
Nos idos de 1958 os carros eram imponentes como o Oldsmobile e o Lincoln das fotos. O consumo era muito alto e alarmante. A gasolina ainda não era controlada pela OPEP. O valor do litro não era tão caro . Mesmo assim somente os barões tinham cacife para ter um destes carros. O Sebastião Satiro, abastado da época, tinha alguns destes carros.Admirava estes carrões, rabos de peixe, luxuosos, importados que transitavam pelas ruas da cidade. Em meados dos anos 60 foi a vez dos carros Dauphine e os Gordini da Renault, do Simca Chambord e do Aero Wilis da Chevrolet. Admirava e possuir um ficava apenas no sonho porque não tinha condições de ter um. Andava de bicicleta. Comprei uma usada do colega do Banco.
Camisas Volta ao Mundo, uma novidade dos anos 60 que virou moda. Os homens usavam camisas “volta ao mundo”, as mulheres blusas de “laise” e saias pregadas que não amarrotavam. O sucesso do produto decorreu da praticidade, dispensava às donas de casa de passar ferro e engomar as roupas. Eu tive diversas camisas volta ao mundo de cores diferentes.
O tergal era usado para ternos e calças. Tive alguns destes ternos. As calças eram vincadas, isto é, com o vinco acentuado. Dava muito trabalho manter os ternos e calças engomados e vincados. Então o nylon surgiu como um concorrente para o tergal. A propaganda ao lado mostra uma camisa destas da Valisere. O produto era o Rhodianyl.
Em 1961 a fibra de Nycron chegou ao Brasil e revolucionou a moda: calças de Nycron e sapatos Vulcabrás; Eu usava calças de nycron. Eu tive ternos com este produto. O então jovem ator Claudio Marzo do comercial da TV dizia , “É nycron vovó, não amarrota e não perde o vinco. A vovó respondia senta, levanta, senta, levanta”. Vide no you tube este comercial.
http://www.youtube.com/watch?v=MJ35frG50JY
Não amarrotava no corpo e depois de lavada não precisava passar. Se ao comer caia molho de macarrão nela, era só passar água e deixar secar que a mancha sumia. Era só enfiar no tanque, pendurar no varal e vestir. O produto era inflamável. Olha o perigo que eu correra. Eu tinha uns 4 ternos de cores diferentes. Os usava todo domingo nos bailes e horas dançantes do clube recreativo. As gravatas eram finas e as camisas de colarinho engomado, mangas compridas com os punhos fechadas com abotoaduras. Também usava um prendedor de gravata. Era um par do mesmo estilo, as abotoaduras e os prendedores de gravata.
Nos anos 60 as jovens estavam seguindo a moda da mini-saia. A mini-saia conquistou homens e mulheres, pois a beleza de uma mulher de mini-saia era incrível e os homens adoravam. As japonas vieram à tona e as ruas ficaram cheias de pessoas com elas. Eu tive 2 japonas. Uma preta almofadada, sintética e uma de lã de diversas cores. Não sei por que usava estas japonas, pois em Minas nunca a temperatura baixou tanto ao ponto de ter que usá-las. Mas como estavam na moda os jovens usavam para se exibir. E eu tolo também me exibia mesmo assando dentro delas. Eu aplicava nos cabelos Glosttora um creme cheiroso, que mantinha o cabelo grudado e arrumado. As mulheses prendiam o cabelo com laque.
Decidindo o curso superior
No transcurso de 1966, eu trabalhava no Banco durante o dia e a noite cursava o último ano do segundo grau. Eu sempre quis fazer curso superior. O fato de estar cursando Contabilidade e de trabalhar no Banco influenciou-me a estudar Economia. Teria que mudar para a capital, sem, contudo perder o emprego. Havia, porém um senão. Eu necessitava do Certificado de Reservista para continuar a trabalhar no Banco após completar os 18 anos. Tentei ser dispensado e pegar o certificado de 3ª. categoria, mas não consegui. Assim eu fui obrigado a prestar o serviço militar para permanecer no emprego. Duas opções haviam, prestar o serviço militar em Patos ou em Belo Horizonte. Na capital mineira eu deveria fazer o CPOR, que é a prestação do serviço militar obtendo ao final o titulo de suboficial. Esta facilidade só estava disponível para quem tivesse já concluído o colegial, que era o meu caso. Eu tentei me transferir para a agência do Banco em Belo Horizonte. Não tive sucesso no meu intento e então permaneci no meu emprego em Patos e em janeiro de 1967, com 18 anos completados, me inscrevi no Tiro de Guerra da cidade, depois de concluído o curso de Contabilidade.
No ano de 1967 meus dias e noites estavam todos ocupados. Das 5 da manhã até as 7.30 horas da manha eu estava no quartel recebendo as instruções militares. Às 8 horas iniciava o trabalho no Banco o qual findava às 17 horas. Como já havia concluído o colegial de contabilidade resolvi estudar novamente e assim iniciei o curso cientifico noturno no Colégio Dom José Coimbra. No final do ano de 1967 conclui o 1º. Ano Cientifico. Já havia sido acordado com o gerente do Banco que eu tentaria novamente minha transferência tão logo concluísse o serviço militar. Assim no mês de novembro deste ano com a indicação e autorização de meu chefe da gerencia da agencia de Patos, fui até BH articular com o Departamento de Pessoal do Banco a minha transferência de Patos para Belo Horizonte. Não havia vaga em BH e me ofereceram uma vaga em Brasília. Aceitei de imediato. Tão logo completei 19 anos, fui transferido, em 13 de dezembro de 1967, para a agência do Banco Mercantil em Brasília. Passei a parte da minha infância e a adolescência em Patos de Minas, durante 10 anos, de 1957 a 1967.